terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

'O show de Truman', o destino, as identidades e outras pseudices

Continuando a semana de reprises (na sexta vi o incrível "Top secret"), assisti ontem a "O show de Truman" e fiquei pensando sobre duas das muitas implicações filosóficas do longa de Peter Weir.

Mas antes de começar, quero lembrar que o filme foi feito ANTES do primeiro reality show com a marca Big Brother - se a wikipedia está certa, um ano antes. Claro que já existia a experiência da interatividade e os chamados programas de realidade também aconteciam nessa época, mas é de tirar o chapéu para o diretor. De certa forma, também não é uma surpresa muito grande, considerando que Weir, a quem eu não ligava o nome à pessoa, é responsável por, entre outros "Gallipoli" e "Sociedade dos poetas mortos". O cara sabe das coisas.

Voltando ao assunto, pensei em um pequeno diálogo em que Christof (Ed Harris), o deus do programa, afirma que o mundo é aquilo que nós acreditamos ser. Em seguida, perguntam para ele se Truman não gostaria de sair, e ele responde que o vendedor de seguros interpretado por Jim Carey (não precisa mostrar mais nada a ninguém) voltaria para a sua cela, caso tivesse a possibilidade de sair.

A ideia do mundo ser a nossa representação, como bem escreveu Schopenhauer, é um conceito desenvolvido pelo seu "padrinho", o cara que o inspirou a escrever sua obra-mestra: Kant. Emanuel, para os íntimos, demonstra que só podemos saber aquilo que é mediado pelos nossos sentidos. O restante é baseado na nossa razão, que desenvolve códigos de comportamento para organizar a nossa volta, como a moral, as leis, a conduta.

O raciocínio de Kant tem um sentido praticamente irretocável. Foi a primeira vez que separaram o homem do mundo, dando a ele noção do seu tamanho e da sua responsabilidade. Mas deu corda para outros pensadores desenvolverem as suas máximas. Por exemplo, Foucault. Nunca li nada do francês, mas sempre afirmam da sua proposta de criação de identidade. Aliás, no carnaval, após anos da ideia de período permissivo, em que os sinais eram trocados (o homem se veste de mulher, a mulher, de homem), como defende DaMatta, acho que estamos entrando num período de construção de personagens, muito afeito ao nosso tempo histórico, em que, com as várias camadas de virtualidade que experimentamos, podemos ser quem quisermos à medida que mudamos de segmento.

Por isso, não se aplica, a ferro e fogo, a proposta de que o mundo é aquilo que nós conhecemos. Porque, de certa forma, podemos também criar um mundo. Podemos optar por uma nova interpretação, um novo jeito de ver, sentir, tocar as coisas. É como se Kant tivesse ignorado o nosso livre arbítrio e tivesse apenas afirmado que somos criaturas dentro do mar do destino. Por isso, o homem pode sair de sua cela - ou de sua caverna, como queria Platão - e pode voltar. Ou pode nunca mais voltar, e viver uma vida completamente diferente. Funciona como escolha. Não por acaso, o nome do livro mais famoso de Schopenhauer é "O mundo como VONTADE e representação" (grifos meus).

Talvez o livre arbítrio seja apenas um caminho mais longo para chegarmos ao nosso destino. Talvez o livre arbítrio seja a rodovia e o destino, o fim. Mas é nossa escolha.

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