domingo, 25 de setembro de 2011

Sem legenda

Uma temporada em um país de língua inglesa pode parecer que não vale para nada, num primeiro momento, mas há um ganho quase imperceptível: conseguir assistir a filmes sem legenda. Isso não é só apenas mais, digamos, natural - você pode perceber exatamente o que as pessoas disseram e não o que foi colocado na tradução* - , mas você tem tempo para reparar mais no filme, nos atores, em cada enquadramento. Não quer dizer que eu consiga entender tudo - não mesmo - mas já dá para me virar, já dá para sacar todos os contextos e, dependendo do filme, 90% das piadas. Isso também não quer dizer que os atores são muito diferentes entre si - em cinema, filmam tantas vezes cada tomada que dá para editar e pasteurizar tudo, sem que percebamos grandes afetações ou problemas graves de interpretação. Por isso - e também por implicância, claro - digo que todos os atores são iguais.

Ontem vimos dois filmes: "The invention of lying" e "The kids are all right" [incrível como esse segundo título é complicado de se pronunciar para um brasileiro que não é do interior de São Paulo, por conta da junção desses "r" ingleses, guturais]. E além do roteiro, da direção, foi possível, por exemplo, reparar no Ricky Gervais e em como ele é o tipo de comediante cínico e irônico que me agrada, e em como a Julianne Moore consegue se destacar, mesmo dentro desse cinemão pasteurizado [caramba, acabo de descobrir que ela tem 51 anos! Annete Benning, que parece muito mais velha que Moore na tela, só tem 53. Que coisa...].

[Outra interrupção, antes do prosseguimento - um dia vou escrever só sobre essas interrupções, esses parênteses. Além disso, tenho um título de livro para escrever - "Procrastinação" - que seria exatamente sobre como podemos circular no mesmo lugar e, ainda assim, andar para a frente. Veja os casos de "... Brás Cubas" e "... Tristram Shandy" - Mas a interrupção não era para falar sobre interrupções, mas que eu tinha escrito ".... alright", junto, como uma palavra só, e depois descobri que no título original a expressão estava separada. Isso me lembra que "for ever" eram duas palavras - e ainda hoje muitas pessoas a grafam dessa maneira -, mas o mais comum é encontrá-las em conjunto. Suspeito que, ao menos na Inglaterra, "as well", uma expressão usada a todo momento aqui, o que não é, mesmo, o caso de "also" - que suspeito ser uma expressão americana, assim como "pretty", no sentido de "bastante" e outros exemplos - também se tornará uma única palavra no futuro. Fim da interrupção.]

"The invention of lying" se baseia exatamente nessa premissa que é autoexplicativa no título: como seria um mundo em que fosse impossível mentir. E, repentinamente, alguém mentisse, sem explicação. Lembra, um pouco, "O mentiroso", por um lado, e "Show de Truman", por outro - só para ficar nos filmes com Jim Carrey. Mas o humor é muito mais sutil que em "O mentiroso" e o filme é muito... menor [?] ou se propõe a menos que em "... Truman". Mesmo assim, Mark Bellison [Gervais] inventa nada além da religião, quando precisa confortar a mãe à beira da morte. A senhorinha está triste porque acredita que após morrer vai encontrar o nada absoluto, e Mark, então, inventa o paraíso.

Acho curioso o medo das pessoas em relação ao "nada absoluto". Isso mostra que cada uma dessas pessoas vive um vida não muito boa, do ponto-de-vista do que ela acredita profundamente do que ela deveria fazer, e, ao chegar ao fim, se arrepende pelo que vivera - o que remete, diretamente, ao conceito de eterno retorno de um certo alemão bigodudo. Elas querem ter mais tempo, mas o que elas fariam com mais tempo? Qual é o problema do nada - já que não há saudade, não há qualquer tipo de sentimento - nem negativo, nem positivo? Será que ao se viver a vida com o máximo possível de energia e - para usar uma expressão, digamos, filosófica - vontade, essa mesma sensação se apregoaria?

Já "The kids..." é uma comédia romântica moderninha, em que o casal principal é formado por duas mulheres. A grande bola-dentro do filme é a escalação do elenco. Além de Moore e Benning, há Mia Wasikowska, a Alice do filme de Tim Burton, e o sempre adorável Mark Ruffalo. O filme é extremamente simpático, mas, ao fim, parece uma propaganda conservadora sobre a família - o que não é, por favor, um problema. Ser conservador ou liberal não modifica em nada o caráter das pessoas. Só é curioso em se tratando de um casal lésbico.

* Há um momento do "The kids..." que Nic, a personagem de Benning, fala o de Ruffalo que precisa das opiniões dele como de um "dick in my ass". Bom trabalho aos tradutores.

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