quarta-feira, 14 de março de 2012

A metáfora da fila

Essa metáfora nasceu no último domingo. Estávamos assistindo aos shows do Bunka-sai - algo estilo apresentação de escola de fim de ano, como, pelo que eu percebi, é a proposta original do evento, no Japão - quando a apresentadora [japonesa], que dá aula sobre cultura do Japão na Inglaterra, tentou incentivar os ingleses a contribuírem com a campanha que arrecadava dinheiro para os órfãos do terremoto-tsunami-desastre-nuclear falou que achava japoneses e ingleses muito parecidos. Primeiro exemplo dado por ela: ambos gostam de filas.

Fiquei pensando sobre isso, principalmente porque, 1/ os ingleses tem um verbo para isso [to queue], que raramente vi americanos usarem e, 2/ dias antes, na saída do show da Florence, nós -sem querer- furamos uma fila imensa [depois, até saímos da fila] e ninguém reclamou. Os ingleses, raramente, reclamam de alguém que não respeita as regras de convivência social - o que também acontece raramente. Ontem, por exemplo, no quiet carriage do trem -sim, eles existem-, onde, como você pode imaginar, se pede para não fazer barulho, um grupo de meninas falava de um lado para outro das filas de poltronas. Ninguém reclamou de nada. Imagino que eles aguentam esses comportamentos pensando que é apenas um desviante, que logo vai se tocar de que está errado e fará a coisa certa a seguir. É o símbolo do que é ser gentleman respeitar o outro, mesmo que o outro esteja cometendo o maior dos erros. [Penso também na tradição do "after you", na hora de embarcar em um transporte. Às vezes vira comédia pastelão...]

No Brasil, esse mesmo personagem certamente tomaria o que uns amigos meus chamam de "ou-ou-ou-ou" - alguém assumiria o papel do juiz, do superior, e logo chamaria a atenção do infrator. Tente fular a fila de um evento público, tipo show, para saber como é a experiência.

Já na Índia, por outro lado, furar fila é algo corriqueiro e ninguém também reclama. Seria efeito da colonização britânica? Duvido. Acho que tem a ver com a religião, que prega a não-violência e o respeito às castas. O cara fula a fila e acha que está certo. O sujeito que está na fila vê o outro furando também acha que o outro está certo. Como se pensasse: ele deve poder. Claro que reclamamos disso várias vezes e o sujeito, pego no flagra, que ele nem imaginava que era um flagra, se sentia injustiçado, mas ia, a contragosto, para o começo da fila.

Na Bélgica - na francófila Bruxelas, que é muito diferente da flamenga Antuérpia - vimos um cara furar uma fila, mal organizada, dentro da estação de trem. Tentei "avisar" a ele que o fim era lá atrás e o cara fingiu não me entender e continuou onde estava, falando com as pessoas que estavam ao seu redor e dando de ombros. Tão revoltado eu fiquei que fui eu a sair da fila, para não acompanhar aquele descaramento. Latinos...

Imaginei essa mesma situação em outros países, como em um jogo, seguindo os clichês que são inculcados em nossas cabeças, sobre identidades nacionais. Por exemplo, na França. O sujeito furaria a fila e diria para se justificar, quando reclamassem com ele, que está praticando um ato revolucionário, que a fila é um exemplo da meritocracia, que é um critério falido, que os valores utilizados [ter chegado antes] não se aplicam porque nem todos tiveram as mesmas chances de chegar antes, e mesmo se chegassem, o fato de alguém ser mais rápido e ter chegado antes não deveria garantir um privilégio, porque todos são iguais e blablablá. Nos EUA, haveria a fila VIP [ideia que seria logo exportada para o Brasil], onde quem paga tem mais privilégios, e o sistema de cotas, para que cada integrante da sociedade fosse representado. Na Alemanha não há filas, tudo é organizado a ponto de ninguém precisar esperar. Na Itália também não há fila, mas por outro motivo: todo mundo fura a fila e corre para embarcar ao mesmo tempo.

A fila - ou como você se comporta nela -, como se vê, define o seu lugar no mundo.

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