sexta-feira, 30 de março de 2012

Restaurantes secretos em Londres

[Reportagem publicada no caderno "Ela", d'"O Globo", no fim do ano passado.]

A descoberta dos restaurante secretos

Pouco antes das 20h de uma sexta-feira, um grupo de pessoas vestindo roupas espalhafatosas, perucas, trajes judeus e carregando bebidas à tira-colo se dirige em sigilo para uma casa aparentemente comum de uma pacata rua de Kilburn, no noroeste de Londres. Tocam a campainha e são recebidos por um senhor usando quipá, e carregando nos braços uma criança. Estão indo celebrar o shabat, mas um shabat diferente, na versão Barbra Streisand, do Underground Restaurant.

Misture a experiência de ir a um restaurante, e todo o requinte de pratos sofisticados, com o conforto e a informalidade de um jantar na casa de conhecidos. Por fim, acrescente uma pitada de mistério – só recebe as coordenadas de como chegar lá quem comprar os ingressos, no valor de £50, pela internet – e você pode ter um pouco do sabor do que é o Underground. Mas todo esse processo não afasta os convivas, pelo contrário. Na noite em questão, em pouco tempo os desconhecidos se tornaram melhores amigos, tirando fotos juntos, bebendo dos vinhos uns dos outros, cantando junto as músicas de Streisand. O clima é de festa. 

Rodgers, no salão de sua casa, recebendo
estranhos que viram amigos em instantes

"A coisa que mais me surpreendeu quando eu comecei foi que as pessoas queriam conhecer outras pessoas. Então, eu comecei a fazer grandes mesas misturadas. Você não pode reservar uma mesa para dois, por exemplo", conta Kerstin Rodgers, que comanda a cozinha, a casa, e todos os eventos sob a marca Underground, além de ser uma grande incentivadora desse tipo de restaurante.

Nessa oportunidade, o menu incluía bastante da culinária judia nova-iorquina com influência eslava. Começou com vinho kidush e chalá, e a benção do rabino. Passou pela entrada com salmão defumado, rollmops, vários tipos de picles e bagels, além de borche para os vegetarianos. Adentrou o principal com tcholent e ovos hamine. Teve fôlego para a sobremesa com cheesecake de Nova York, quíguel de canela, matzá de chocolate branco, e terminou com a reclamação do vizinho pelo altos brados dos convidados que imitavam a diva.

Com uma frequência incerta, mas em torno de dois eventos por mês, ela recebe desconhecidos na sala de sua casa vitoriana, e os alimenta com cinco a seis cursos diferentes de um jantar temático e muito bom-humor. Já houve homenagens a Elvis Presley, um evento começando a meia-noite só com alimentos que fossem pretos, uma noite temática das arábias, e outro com um menu só pratos que tivessem flores. 

A origem do apelido de Rogers
Fora os jantares, Rodgers também organiza chás, o secret garden clubs – onde há workshops culináros – e, mais esporadicamente, o Underground Market. Neste é possível encontrar alimentos direto de pequenos fazendeiros, produtos artesanais e barracas de comidas que fogem do lugar-comum de outras feirinhas tradicionais, além de ser a oportunidade para escutar música intimista, em um lugar completamente diferente dos endereços dos mercados mais conhecidos. Tudo mantendo a mesma aura de mistério e quase sociedade secreta. 

Nenhum desses eventos, contudo, é exatamente legal. Apesar de Rodgers se preocupar constantemente com higiene, segurança e não vender álcool – que é bastante controlado pela legislação inglesa – ela não tem qualquer licença para funcionar. Em seu livro “SupperClub, recipes and notes from the Underground Restaurant” [algo como “Clube da refeição, receitas e notas do restaurante Underground”], ela conta que instrui as pessoas a cantar parabéns caso sejam interceptadas pela polícia no meio da noite. De qualquer forma, ela diz já ter recebido agentes da lei entre os seus convidados, sem qualquer sobressalto. Os maiores problemas foram com o metrô de Londres, conhecido também como Underground, que quis processá-la por usar tal palavra na sua marca. Ou com a Warner Bros, que a ameaçou por conta de uma noite temática sobre Harry Potter.

Mais conhecida na internet como Ms. Marmitelover, ela começou a trabalhar como fotógrafa para publicações como a “NME”, mas afirma que sempre se via cozinhando onde quer que estivesse, para quantas pessoas fossem. Inclusive em manifestações antiglobalização nas reuniões do antigo G-8, cafés vegan cooperativos, e até em uma conferência em Belgrado onde ela diz ter servido 450 “sindicalistas sérvios, punks alemães e filósofos franceses”. 

Convidados vestidos a caráter para a homenagem à diva

Ela abriu o seu restaurante-secreto em 2009, no período de crise da Europa, após ter experimentado os “paladares”, em Cuba – que seguem um esquema parecido – e ouvir sobre as experiências com os “supperclubs” norte-americanos e os de Buenos Aires. Quase três anos depois do início do seu empreendimento, essa senhora que ama Marmite (uma pasta salgada à base de extrato de levedura de cerveja, muito usado na Inglaterra no pão do café-da-manhã) foi escolhida como uma das personalidades mais importantes de Londres por um jornal local.

Rodgers talvez seja a mais conhecida das chefs caseiras, mas não é a única, nem mesmo foi a pioneira dessa onda em Londres. Este posto cabe a Horton Jupiter, com o seu Secret Ingredient, que abriu três semanas antes do dela, em janeiro de 2009, com Rodgers presente e já anunciando o seu empreendimento. Além deles, há ainda vários casos e formatos de restaurantes secretos. Desde o chique e caro comandado por Jo Wood, ex-mulher do Rolling Stone Ron Wood, até o de grandes nomes da cozinha, como o português Nuno Mendes, que já trabalhou com Ferran Adrià no El Bulli, e hoje testa suas invenções no Loft, para aplicar em seu estrelado restaurante, o Viajante. A tradição teria começado ainda na década de 1930, onde se conta sobre casos de clubes de jantares experimentais em Londres no prédio modernista Isokon, onde a escritora Agatha Christie e o escultor Henry Moore seriam frequentes.

Aliás, o Brasil faz parte do passado em comum dos dois pioneiros dessa nova onda de restaurantes secretos. Eles se conheceram em uma “banda de samba” – como ela denomina – chamada Rythyms of resistance. Rodgers conta que adora música brasileira, já visitou o país, e ficou encantada com o carnaval do Rio, de Ouro Preto, e com as frutas tropicais. Já a o nosso mais típico prato...

“Comida brasileira? Hum, não gostei. Especialmente para uma pessoa que não come carne. Feijoada e aquela farinha que quebra seus dentes não são para mim.”

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