terça-feira, 31 de julho de 2012

Por quem os sinos dobram

Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar dos teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano, e por isso não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.
Essa passagem das meditações de John Donne ficaram famosas no século xx por conta de Hemingway. O americano colocou como epígrafe de seu livro "Por quem os sinos dobram", que, aliás, tira o título também dessa passagem. Depois, a galera do Metallica também usou esse título para uma de suas músicas, mas parece que a inspiração já era apenas o livro de Hemingway.

Donne foi deão da St. Paul's Cathedral, aquele que dirige os afazeres domésticos entre os eclesiásticos, numa época em que o Anglicanismo estava começando a se estabelecer. Na St. Paul's, você descobre que ele era um convertido. Tinha nascido católico, em algum momento do primeiro semestre de 1572. Seu trabalho era bastante "sensual", no sentido de relativo aos sentidos, às sensações. Ao se converter, transferiu essa adoração para a religião, como acontece com vários recém-convertidos, que viram mais religiosos que os antigos, como se quisessem compensar, como se sentissem que estavam devendo mais que os outros. Como se sabe, o ser humano precisa sempre "adorar" [como no sentido do francês "adorer"] algo ou alguém.

Logo ele foi tido como o primeiro dos "poetas metafísicos", um rótulo bastante estranho. "The Oxford Companion of English Literature" diz que quase nenhum dos poetas do grupo era realmente interessado em metafísica. Esse pedaço, entretanto, das meditações de Donne é ainda mais curioso, exatamente porque é bastante metafísico, no sentido de falar de transcendência, da ligação de um com todos.

Além disso, esses poetas foram mal vistos pelos seus sucessores [novidade] porque eram figurativos, pouco claros. Mas qualquer um pode interpretar esse trecho logo na primeira lida, com a ajuda em uma ou duas palavras ["promontório" = "parte mais alta", "solar" = "casa senhorial"]. E mesmo que haja uma segunda leitura à luz da época, lembrando que os sinos dobravam quando havia morte, e que essa poderia ser uma peça de propaganda da religião que ele agora defendia, gosto de uma interpretação mais livre, menos ortodoxa.

Quando ele diz que "os sinos dobram por ti", essa frase me lembra a ideia dos Vedas, o livro sagrado hindu, de que todos somos o centro de Brahma e, ao mesmo tempo, somos parte dele. Quando os sinos dobrarem  por uma única pessoa, ela estará dobrando para o Homem, para a Humanidade, porque o homem é parte dessa instituição maior, e também ela, em si. Todos carregamos o sentimento de pertencimento ao grupo maior, e, ao mesmo tempo, o sentimento de individualidade. Somos sozinhos nas nossas vidas, mas também compomos esse organismo maior que é a sociedade. Nossas atitudes primeiro nos influenciam, mas sempre acarretam consequências para os demais.

Dá para ler um pouco mais sobre esse assunto neste artigo aqui.

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